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Para uns apenas uma chuteira, para outros um sonho
Depoimento de Insigne, atacante do Napoli, mostra um pouco da adoração das crianças por chuteiras

Esse depoimento de Insigne, atacante do Napoli, mostra um pouco da preocupação e consequente criação da campanha para doação de chuteiras da PlayFC. Que menino não sonha entrar em campo com um par de chuteiras, seja ela do Ronaldo, Romário, Messi, Neymar ou Cristiano Ronaldo? A PlayFC criou a campanha baseado na ideia de que qualquer garoto, seja de onde for, tem o direito de calçar, pelo menos uma vez na vida, uma "chanca". Para alguns pode ser apenas uma chuteira, mas para outros vestir uma chuteira é único, é parte integrante do momento mágico que é entrar em um campo de futebol para jogar bola. 


Lorenzo Insigne possui uma trajetória marcante. É o garoto de Nápoles, que cresceu vivenciando toda a devoção da cidade pelo Napoli e, assim, alimentou seu sonho de se tornar jogador do clube. Poucos poderiam honrar tanto o manto celeste quanto o ponta, e ele faz isso a cada partida. Une seu talento refinado com a dedicação extrema, que marcam a sua caminhada no futebol desde os primórdios. Nesta segunda, Insigne assinou um texto falando sobre o seu passado no excelente The Players’ Tribune. Entre os muitos grandes depoimentos publicados pela página americana, este certamente foi um dos melhores. Abaixo, traduzimos na íntegra. 

*****

Até Deus ama Napoli

 

Antes de começar essa história, eu preciso me desculpar com Deus. E por Deus, quero dizer “D10S”… Senhor Maradona. Eu também quero me desculpar com meu pai.

Porque quando eu tinha oito anos, eu cometi um pecado. Talvez esse não seja o pecado para a maioria das pessoas, mas quando você cresce em Nápoles, especialmente quando eu era criança, isso era definitivamente um pecado. Eu comecei jogando pela escolinha do meu bairro e queria realmente chuteiras adequadas. Eu não tinha, porque eu não deveria estar jogando na escolinha ainda. Era muito jovem e definitivamente muito pequeno.

Eu era um nanico!

Mas não me importava. Queria jogar futebol a todo custo. Então, certo dia apareci na escolinha com meu irmão mais velho e estava lá supostamente para assisti-lo. Mas eu tinha outros planos. Forcei meu caminho para o campo chorando o dia todo, até que me deixassem jogar. Cara, isso foi dramático. Eu me joguei no chão e agi como se estivesse morrendo. Então finalmente o técnico disse: “Ok! Deixem o garotinho entrar por um minuto”.

Eu acho que eles só queriam que me calasse, mas penso mostrei que podia jogar, porque me deixaram entrar na escola com todos os garotos mais velhos. Eu estava muito feliz, mas agora precisava de boas chuteiras. Todos os dias, pedi ao meu pai para comprar um par, mas existiam dois problemas.

Primeiro, minha família era muito humilde. Frattamaggiore, a vizinhança onde cresci, era muito difícil. Naquele momento, não havia nada. Eram poucos empregos e minha família não tinha muito dinheiro, então era quase impossível comprar chuteiras caras.

Depois, eu queria um par de chuteiras específico. Eu queria o do R9. As chuteiras do gênio, Ronaldo. Você se lembra dessas? Prateada, azul e amarela. Elas eram icônicas. Ronaldo jogou na Copa de 1998 com estas e era o único assunto sobre o qual eu falava.

“Papai, por favor, me dê as chuteiras do Ronaldo”

Todos os dias. Todos os dias.

Pensando hoje em dia, ele provavelmente desejava me matar, porque o único jogador sobre qual meu pai queria falar era Maradona. Eu cresci com o mito de Diego e sua grandiosidade, e logicamente ele é uma lenda ao redor do mundo.

Mas em Nápoles?

Em Nápoles?

Ele é como um Deus. Meu pai queria me dar chuteiras pretas como as de Maradona, você sabe? Mas eu dizia: “Não, você não entende, Ronaldo é o melhor”.

Haha! Papai, me desculpe! Diego, me desculpe!

Meu pai era um grande torcedor do Napoli e, claro, Ronaldo jogava pela Inter naquele tempo, fazia o Napoli chorar. Mas eu era apenas um garoto. Não conhecia ninguém melhor e estava obcecado por aquelas chuteiras. Então, uma noite, completamente de surpresa, meu pai disse que iríamos à loja.

Perguntei por que, e ele respondeu que iríamos comprar as chuteiras.

Meu pai definitivamente não tinha dinheiro extra para gastar. Mas, de alguma forma, ele fez isso para mim e não posso expressar a vocês o sentimento de andar com ele pelas ruas naquela noite, procurando em todas as lojas as chuteiras do Ronaldo.

A primeira loja não tinha.

A segunda também não.

A terceira tinha, mas não do meu tamanho.

Andamos a cidade inteira.

Fomos a quatro ou cinco lojas, sem sorte. Eu me lembro que escurecia e eu estava ficando sem esperanças. Finalmente, quando tudo estava fechando, a última loja em que nós fomos tinham as chuteiras R9 do meu tamanho.

Eu sei com certeza que essa é uma memória que ficará comigo pela vida inteira, meu pai dando o dinheiro por essas chuteiras e entregando a caixa para mim. É o melhor presente que já recebi. Vocês sabem, é engraçado, porque sou um jogador profissional agora e recebo muitas chuteiras gratuitas. Realmente não parece nada especial.

Mas estas chuteiras… uau. Foi um sentimento indescritível colocá-las, porque na minha cabeça era: “Ok, talvez eu seja baixinho, humilde e nem tão bom ainda. Mas estou calçando estas chuteiras e o gênio Ronaldo usa as mesmas. Talvez, um dia, eu possa me tornar tão bom quanto ele”.

Eu não estou brincando – eu costumava limpar estas chuteiras todo santo dia. Nós jogávamos em campos que não eram tão perfeitos. Havia muita sujeita e pedras, vocês sabem. Então, eu voltava para casa e esfregava as chuteiras com um pano, porque sabia que meu pai se sacrificara para comprá-las. Usei elas por tanto tempo que as lojas pararam de vender e, no dia em que elas realmente se arrebentaram, eu chorei. Eu desabei de verdade, porque me importava muito com elas. Eram sagradas para mim.

Talvez eu seja louco, sei lá. Mas sempre fui desta forma, de acordo com minha família. Minha mãe conta a história que, quando eu estava na pré-escola, ela me buscava e, enquanto todas as crianças estavam brincando de Lego, eu estava em um canto chutando e correndo. Ela não entendia o que fazia, até que chegava mais perto e via que eu tinha feito uma bola de papel, jogando sozinho.

Eu provavelmente precisava fazer meu dever de casa neste papel, mas só tinha uma coisa na minha cabeça: futebol.

Meu sonho, sempre, foi jogar com a camisa do Napoli no San Paolo. Para mim, não existia outro sonho. Não praticava outros esportes. Não pensava em nada além do futebol. Mas à medida em que eu crescia e ia para peneiras em diferentes clubes – Inter, Torino e até o Napoli – os olheiros me diziam o mesmo.

“Nós gostamos dele, mas é muito baixinho”

Bem, na verdade eles não me diziam. Diziam ao meu pai, que trazia as notícias para mim. E era sempre o mesmo veredito. Na Itália, as pessoas são muito honestas. Todos me descartavam por causa da minha altura. Depois que o Torino me dispensou aos 14 anos, eu não queria mais jogar. Disse à minha família que não prestava. Eu era muito baixo. Técnica, força, velocidade – você pode trabalhar duro e melhorar. Mas sua altura? O que pode fazer? Eu acordava todas as manhãs esperando que tivesse crescido durante a noite. Mas nada. Então, eu disse ao meu pai: “É impossível, não quero mais”.

Mas então ele disse: “Ok, então o que você fará se não for o futebol”.

Pensei sobre isso e disse: “Merda, o que eu farei?”.

Então, eu continuei jogando na minha escolinha local e, finalmente, o Napoli veio me dar outra chance quando tinha 15 anos. Muitos garotos estavam na peneira. Muitos. Mas por alguma razão, o olheiro viu algo em mim e me escolheu. Quando entrei nas categorias de base, foi incrível, porque toda a minha família é fanática pelo Napoli, mas nós não podíamos pagar ingressos a muitos jogos quando eu era pequeno. Então, eu estava na base. Podia sempre implorar para ser um dos gandulas e, assim, ficar à beira do campo no San Paolo.

Esse sentimento de estar no estádio e sentir essa energia como um napolitano… Não posso expressar em palavras. Eu pensava: “Nossa, se eu puder jogar apenas um jogo com a camisa do Napoli algum dia, morrerei feliz”.

Era engraçado, porque quando eu consegui jogar minha primeira partida em 2010, nós atuamos fora de casa contra o Livorno. Foi um grande marco para minha família, obviamente. Como uma honra, ser um garoto de Frattamaggiore, jogando com o uniforme do Napoli. E eu me lembro depois da partida, voamos de volta para casa e meu pai me pegou no aeroporto. No caminho, perguntei se havia alguém da vizinhança me esperando.

E meu pai disse: “Ah, não, está muito tarde. Todos estão muito orgulhosos, mas agora está tarde e todos já devem ter ido dormir”.

Eu desconfiei.

Ele disse: “Não, realmente, peço desculpas, mas não quero que você fique desapontado. Não há ninguém te esperando”.

Então, obviamente, quando chegamos em casa, o bairro inteiro estava esperando por mim nas ruas. Eles cantavam e atiravam foguetes. Fizeram um bolo especial para mim e tudo. Era inacreditável. Ver o rosto da minha mãe foi a melhor parte, porque ela é tão maluca por futebol quanto todos os garotos. Eu voltarei para casa agora e a encontrarei vendo as reprises das partidas do Napoli. Ela começará a gritar diante da televisão e eu direi: “Mãe, o que você está fazendo? Isso já aconteceu!”.

O Napoli está em nosso sangue. E eu devo tudo ao clube, porque eles me apoiaram em momentos duros. Depois que eu estreei em 2010, passei dois anos emprestado ao Foggia e ao Pescara, nas séries C e B.

No Foggia, eu trabalhava com um técnico que parecia um personagem de verdade. Senhor Zdenek Zeman. Eu sabia que ele era super intenso e demandava muito de seus jogadores. Mas era realmente engraçado, porque ele parecia ter vindo de um filme antigo. Fazia os jogadores irem ao seu escritório e serem pesados por uma balança de metal antiga todas as manhãs. Mas ele fumava como uma chaminé lá. Então, você abria a porta e tudo era fumaça branca. Você mal conseguia respirar. Um dia eu entrei e disse: “Mister, você acha que talvez possa parar de fumar quando viermos?”.

Ele pensou sobre isso por um segundo. Então, deu outra tragada e disse: “Você pode sair, então”.

Eu o amava. Nós tínhamos uma ótima relação. Ele realmente acreditava em mim e talvez fosse necessário um caráter como o dele para acreditar em alguém como eu. Marquei 18 gols nessa temporada com o Foggia e Zeman foi contratado pelo Pescara na seguinte. O Napoli me deixou segui-lo. Foi um momento muito, muito importante. E um ano muito importante, porque conheci Jenny, minha esposa.

Se vocês sabem tudo sobre o sul da Itália, não surpreenderá que eu a conheci através do primo dela, que ia na escola comigo em Frattamaggiore. De onde vim, todo mundo conhece todo mundo. Instantaneamente, queria estar com ela. O problema é que eu estava vivendo a 250 km de distância, em Pescara.

Eu disse a ela: “Venha comigo”.

Mas de novo, se você conhece o sul da Itália, então saberá o que os pais dela disseram. Eles não iriam deixá-la me seguir. Não, sem chance. Então, eu tinha uma motivação dupla naquela temporada. Precisava convencer o Napoli a me levar de volta, para completar meu sonho, e também para que eu pudesse estar com Jenny.

Nessa temporada, eu não seria parado. Marquei 19 gols e, depois da temporada, me encontrei com Walter Mazzarri, o técnico do Napoli. Ele disse: “Se você quiser um lugar aqui, terá que conquistá-lo”.

Lembro de dizer: “Sem problemas, desde que eu cresci, ninguém me deu nada de graça”.

Realmente, nada iria me parar. Eu consegui meu lugar. No início da temporada, marquei meu primeiro gol no San Paolo, contra o Parma, e isso foi muito especial porque tinha acabado de descobrir que minha mulher estava grávida de nosso primeiro filho. Peguei a bola e coloquei sob a camisa, em homenagem a ela. Eu me lembro da torcida cantando meu nome.

Você não pode descrever este sentimento. É algo que você apenas pode experimentar em seu coração.

Já se passaram seis anos desde que comecei a vestir esta camisa e eu sinto a mesma emoção quando marco um gol pelo Napoli. Isso significa muito para mim, porque sou muito orgulhoso da minha cidade. Vocês sabem, eu ouço algumas pessoas falarem mal de Nápoles e isso é muito frustrante para mim, porque não a conhecem. Para mim, é a melhor cidade do mundo. E se você não acreditar em mim, apenas olhe para meus companheiros. Olhe para como muitos permanecem, ao invés de saírem para clubes maiores. Alguns estão aqui por três ou quatro temporadas, e não querem sair. Nosso capitão, Marek Hamsik, é um cara eslovaco e está aqui por 11 anos. Pergunto a eles por que querem ficar e eles dizem: “Amo a cidade, amo a vida aqui, amo os torcedores”.

Então, talvez quando as pessoas falam mal de Nápoles, elas precisem acordar. Até mesmo Deus amou aqui. E por Deus, obviamente, eu me refiro a Maradona. =)

Meu único foco agora é ganhar o Scudetto. Foi extremamente doloroso me ausentar da Copa do Mundo com a Itália. Não há nada que eu possa dizer para expressar minha decepção. Isso continua a me entristecer. Mas eu tenho que fechar esse capítulo e focar na tentativa de conquistar o primeiro Scudetto da minha vida com o Napoli. Eu quero fazer isso para minha cidade, meu bairro, meus amigos, minha família e meus filhos.

Todas as vezes em que saio para jogar no San Paolo, tenho arrepios. Porque penso no que isso significa para minha família e em tudo o que meu pai sacrificou durante anos para que eu seguisse em frente. Não sei o que ele fez para ter dinheiro e comprar minhas chuteiras, mas sei que ele lutou. Esse sacrifício começou o sonho todo. E agora eu entro em campo na minha cidade natal, e sempre tenho arrepios porque penso: “Aqui jogou o melhor do mundo. Maradona jogou aqui”.

Com todo o respeito a Ronaldo, agora que sou mais velho e conheço minha história, tenho que me arrepender e dizer que Maradona foi o maior que já existiu.

Senhor Ronaldo, você tinha chuteiras excelentes. Você era um gênio. Você era minha inspiração. Mas eu sou um napolitano, então tenho que dizer que só há um rei e seu nome é Diego.

Fonte: site Trivela







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